SÉRIE PACHAMAMA (2020)
O olhar para a Grande Mãe Terra de uma maneira a venerá-la torna-se imperativo. Ela se mostra vigorosa em tempos em que os humanos param (reduzem) suas atividades predatórias. É constatado como a qualidade do ar e da água melhora, como aves e peixes e outros seres se restabelecem.
Assim como a Pachamama remete ao tempo e ao espaço onde estamos aqui e agora, no momento atual todos estamos sujeitos ao mesmo confinamento “tempo - espaço” planetário, o que para mim, reforça ainda mais a força da divindade pré-colombiana. Traz à tona a força da proposta do "sumak kawsay” como possibilidade econômica para a humanidade, para um novo tempo que precisa ser recontado.
A meu ver, a arte já clama por uma nova relação espaço temporal, como parte da transmutação planetária, como a lagarta na crisálida em intenso trabalho de transformação, embora com aparência exterior de silêncio e quietude.
A Série Pachamama é fruto da investigação que tenho realizado sobre o conceito de "sumak kawsay” (em Quechua - “Bem Viver”), em que tal conceito consiste numa proposta de uma nova relação entre seres humanos e, também, entre seres humanos e natureza.
A busca por representar as figuras em referência à Pachamama: o sapo, a tartaruga e a cobra, que representam abundância, longevidade e saúde, respectivamente.
Neste momento de distanciamento social devido à Pandemia de Covid-19, a escolha por estas figuras representativas objetivam dar força para compreender a necessidade de transformação do sistema exploratório e desconectado da natureza que temos vivenciado.
Utilizar a lã pura, do carneiro/ovelha, remete à cura, ao sacrifício, à veneração, ao mesmo tempo, em que possível considerar a lã um elemento de calor, acolhimento e carinho. No tear, a lã recebe o trabalho humano, que a tece, entrelaça e dá-lhe uma consistência/existência. Assim, do fio ao tecido por meio das mãos que tecem e produzem.
O tear é realizado a partir da técnica de tear manual. É realizado aplique bordado com ponto corrente nos formatos das figuras do sapo, da cobra e da tartaruga.
O sapo representa a possibilidade de futuro, considerando a potência da natureza em sua abundância e capacidade regenerativa.
As conchas folheadas a ouro na base do tear apresentam-se como elementos valorizados, pois o ouro relaciona-se à nova pele da Terra. Além de pureza, poder e proteção, o outro simboliza transformação.
A contagem do tempo, hábito designado aos confinados, é apresentado de maneira a relacionar-se com os fios do tear, que mantém a marcação do tempo, do dia do mês e do dia da semana. E fecha-se com um elemento da estação: as conchas e a pena.
SAPO - Série Pachamama (2020). Tear de lã 100%, com aplique bordado também em lã 100%. Conchas folheadas a ouro. Contas de açaí naturais e pintadas, conchas, penas e bambu.
A cobra representa a saúde, o auto-cuidado, e também o cuidado com a terra, com o ambiente que habitamos. A saúde estabelece-se no âmbito do próprio corpo (físico e espiritual) e também no corpo da terra que nos acolhe, nos aconchega e nos alimenta.
A cera de abelha é uma referência aos pequeninos seres produtores de mel, que ao oferecerem o doce da vida, o saudável alimento, nos conecta com o cosmos. Campos onde têm abelhas, terão belos frutos.
O urucum, em suas fases madura e verde, é símbolo de sua força fluida, vermelho como o sangue, e de seu potencial fitoterapêutico.
COBRA - Série Pachamama (2020). Tear de lã 100%, com aplique bordado também em lã 100%. Armação em madeira para colmeias. Folha alveolada de cera de abelha. Frutos de urucum verdes e maduros.
A figura da tartaruga refere-se à longevidade. Mas a vida longa não é somente a durabilidade da vida a qual estamos neste mundo presente, mas a vida na qual somos lembrados. Assim, pode-se compreender que a tartaruga também simbolize a memória, a honra à ancestralidade, a reverência a todos os que contribuíram com os genes para sermos o que somos.
Assim, o bico de crochê que foi confeccionado pela minha avó, é uma amostra da memória. Lembranças do fazer, do tecer, do trabalho manual.
A argila como parte do ciclo da vida. A imagem cristã do surgimento do homem a partir do barro. E também como o fim do corpo terreno, ao pó retornaremos.
TARTARUGA - Série Pachamama (2020). Tear de lã 100%, com aplique bordado também em lã 100%. Bico em crochê. Argila. Contas de açaí.